A reinvenção da criatividade na educação

26 jul 2018

Entender o que ela realmente significa e como podemos conservá-la e usá-la a nosso favor — da infância a velhice — pode ser de extrema relevância.

Foto: Unsplash

Aos três anos de idade tudo parece possível. Entramos na escola e somos apresentados a uma infinidade de cores, sabores, texturas e materiais. Tudo vira brincadeira. Tudo vira arte. Enxergamos possibilidade em cada canto e em cada lugar que frequentamos. Então, crescemos. Um dia acordamos e estamos no Ensino Médio. As possibilidades aparecem em menor quantidade. As cores não são mais tão vibrantes. Aprendemos freneticamente fórmulas e nomes de bactérias que poderão ser esquecidos assim que fecharmos a porta da sala em que prestarmos o vestibular.

Apesar disso, todo o conteúdo é frisado como se dependessemos disso para nos tornarmos seres humanos dignos e inteligentes. Aqui vai um spoiler: não é bem assim que as coisas acontecem. Entramos na faculdade sem saber explorar da forma correta tudo que nos foi ensinado ao longo da vida escolar. E também percebemos que muitas coisas que gostaríamos de ter aprendido só nos serão ensinadas muito mais tarde.

A professora de graduação e pós-graduação da FAAP Clemara Bidarra — que inclusive leciona a disciplina de Criatividade na instituição — expressou em entrevista uma reflexão sobre este assunto:

O que é a criatividade, afinal?

Há um estereótipo enraizado na nossa cultura desde muito cedo, no qual a criatividade é tachada como algo restrito a poucos, ou melhor, aos inalcançáveis donos de boas ideias. Einstein, Steve Jobs, Da Vinci, Picasso… esses são alguns dos nomes que podem vir à nossa cabeça quando pensamos em mentes criativas. Mas este pensamento está deturpado. Todos somos criativos de alguma maneira. A criatividade faz parte do ser humano, desde que seja cultivada da melhor forma e constantemente desenvolvida.

Evidentemente, é sempre importante lembrar que ela não está associada apenas ao âmbito artístico. Artistas em sua maioria sabem explorar seu potencial criativo, mas este não é restrito a eles. Médicos, engenheiros, mecânicos e feirantes também podem — e devem — ser criativos. E também é importante destacar que a criatividade não é neutra, podendo ser utilizada para o bem e para o mal. É o que explica Suzana Torres — pedagoga, professora de graduação e pós-graduação na FAAP e coordenadora do Prisma, o centro de estudos do Colégio Santa Maria:

O dever da escola — que, muitas vezes, não é cumprido

Os processos de criação começam — ou pelo menos deveriam começar — na escola. E, ao que tudo indica, o ambiente escolar tende a passar por longas mudanças daqui pra frente. Segundo a reportagem desenvolvida pelo UOL TAB sobre o tema, há grandes possibilidades da escola do futuro ser bem diferente do modelo de ensino que conhecemos hoje.

A necessidade de saber uma resposta concreta será substituída pela liberdade de questionar, aprendendo assim a se aprofundar nos assuntos. Haverá não só consumo, mas também produção de conteúdo. Dessa forma, o professor irá ensinar em conjunto com os alunos, pois estes terão cada vez mais participação nas salas de aula.À medida que os alunos serão livres para estudar da maneira que melhor funcionar para cada um deles, a sala de aula será lugar de debate e criação. Portanto, as provas não existirão do modo como a conhecemos, pois a avaliação será feita constantemente.

Pesquisa elaborada e divulgada no Facebook para o desenvolvimento desta reportagem, resultando na participação de 32 pessoas, dos 17 aos 65 anos.

O pesquisador espanhol Alfredo Hernando — criador do projeto Escuela21— viajou para mais de dez países com o objetivo de conhecer escolas inovadoras e seus métodos de ensino. Reuniu tudo que descobriu em um livro, disponível gratuitamente para download em PDF.

De todos que conheceu, o professor que mais chamou sua atenção foi o dinamarquês Morten Smith-Hanse, que leciona Espanhol e História no centro Ørestad Gymnasium de Copenhague. Smith-Hansen tornou-se uma espécie de professor particular para cada um de seus alunos, utilizando-se da tecnologia para compartilhar documentos na nuvem, permitindo que cada aluno compartilhe o que sabe sobre cada matéria. Hernando alega que, na Espanha, os professores que estão criando a mudança são aqueles que estão interessados. Em entrevista ao El País no final de 2016, ele disse: “Muitas pessoas já perceberam que precisamos de outra escola. Esse é o primeiro passo. A segunda é saber como queremos que ela seja e isso não para.”

Mas, para haver professores interessados, estes devem possuir uma base para passarem aos seus alunos, partindo de um repertório que muitas vezes não é desenvolvido, como explica Suzana Trores, partindo de sua experiência como coordenadora do centro de estudos Prisma:

Se tivesse que optar por uma escola preferida, a escolha de Hernando seria o colégio Montserrat de Barcelona, onde o maior diferencial é a aplicação da teoria das inteligências múltiplas, desenvolvida pelo psicólogo Howard Gardner. O que difere bastante, infelizmente, da maior parte das escolas do Brasil, que ainda insistem em se basear nas inteligências mais “conhecidas”, conforme explicado pelas professoras Clemara Bidarra e Suzana Torres em entrevista:

Avanços e obstáculos em solo brasileiro

Entretanto, já podemos afirmar que temos algumas escolas brasileiras fazendo a diferença. Entre elas, está a respeitada Waldorf Rudolf Steiner, criada pelo filósofo e educador Rudolf Steiner e desenvolvida através da Antroposofia. Rita Kawamata é instrutora de Mindfulness na Assertiva Mindfulness e mãe da Júlia, que foi aluna Waldorf da infância ao ensino médio. Ela contou um pouco sobre o que pode observar da experiência de sua filha durante o período escolar:

“Para ela, a Pedagogia Waldorf trouxe muitos incentivos a criatividade, principalmente no jardim da infância, onde ela tinha espaço para brincar, mexer com areia, fazer aquarelas, fazer pão, tocar flauta, cantar, ouvir histórias diariamente… A criança tem naturalmente a inclinação à fantasia e à criatividade; creio que no decorrer da vida os pais e educadores devem evitar tolher demais essa inclinação, apenas valorizando o conhecimento verbal e cognitivo. E oferecer possibilidades para que a criança e o jovem tenham contato com diferentes vias de conhecimento; por meio do movimento, dos sons, da arte e do contato com a natureza e a diversidade cultural.”

Alice Fellin, aluna do primeiro semestre de Jornalismo na FAAP, também estudou na Waldorf, e contou em depoimento sobre sua experiência com esta pedagogia, com a qual também teve contato durante todo o seu período escolar:

A estudante afirmou que a criatividade que possui hoje se deve majoritariamente ao seu desenvolvimento na escola: “mesmo nas aulas tradicionais, você tem que fazer trabalhos artísticos”, contando que os alunos não tem livros para se basearem, tendo que desenvolver o conteúdo através da elaboração de seus próprios cadernos.

Além disso, alegou que a Waldorf pode ser uma ótima opção para crianças muito ativas, que não se encaixam em métodos tradicionais:

O Brasil ainda possui um cenário pouco desenvolvido quanto aos seus processos criativos dentro de escolas. Vale ressaltar que a pesquisa foi feita com um número pequeno de pessoas e que ainda há muitos dados a serem explorados sobre o assunto. Contudo, é possível considerar como consenso nesta reportagem o quanto ainda andamos para trás nesta questão. O importante é, acima de tudo, não deixar de lado as perspectivas sobre uma possível mudança no futuro, tendo em mente o quanto as profissões e os conteúdos ensinados nas escolas ainda podem se transformar.

Há quem diga que devemos incentivar às crianças de hoje a codificar, podendo assim se tornarem especialistas em dados desde cedo. Mas, levando em conta o quanto a tecnologia tem avançado, por quê precisamos ensiná-las a fazer o que os computadores farão melhor que elas no futuro? Precisamos ensiná-las a cultivar os processos de criação em seus mínimos detalhes, pois estes serão sempre, exclusivamente, humanos.

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